Miniatura - Viagens no Tempo

Viagens no Tempo

Tema: Viagens no tempo

Veículo: Diário da Manhã

Número: 10.937

Página: 19

Caderno: Opinião Pública

Data: 25/09/2017

Viagens no Tempo

Entre a realidade, o verossímil e a ficção, situamos nós, humanos, inventores  de tempos e espaços, além de muitas histórias. Como não estamos fixos no espaço-tempo, deslizamos suave na nave terrestre, como verdadeiros viajantes do tempo. Nossa nave gira em seu próprio eixo (rotação) a uma velocidade média de 1.700 km/h, considerando a região do Equador. Ao redor do Sol (translação), nossa velocidade é de 107 mil km/h e nosso Sistema Solar atinge impressionantes um milhão de quilômetro por hora, em relação ao centro da galáxia.

Como o universo é analógico, o movimento linear no espaço-tempo é a regra, embora estudos confirmem a existência do buraco negro, ou buraco de minhoca, que são saltos no espaço-tempo, em uma configuração que o faz ter lógica digital, caracterizada pela descontinuidade. Embora essa possibilidade, teorizada pela Física Quântica, se vincule ao espaço-tempo em que vivemos, e que considera a possibilidade de saltos espaciais, no movimento pelo tempo essa possibilidade não é considerada, mesmo que o tempo seja relativo. Ir e vir, entre passado, presente e futuro, é ficção, ainda que pareça verossímil. A flexibilidade temporal diz mais da passagem dele, que se vincula à velocidade da luz. Na velocidade da luz, o tempo é mais lento, afirma o Paradoxo dos Gêmeos, modelizado por Albert Einstein e confirmado experimentalmente.

E se a velocidade de nosso deslocamento no espaço-tempo é, de fato, incontestável, embora variável, conforme nossa velocidade, é em nossa mente que o tempo se mostra mais flexível, quase plástico, podendo ser moldado pelo pensamento, em movimentos completamente digitais. "Terra! Terra! / Por mais distante / O errante navegante / Quem jamais te esqueceria?..." canta Caetano Veloso.

Nessa plástica do pensamento, inventamos o tempo futuro, que é invenção construída a cada dia, em um exercício de prospecção que considera a possibilidade, o virtual e nossa expectativa. A possibilidade como algo já pronto, dado, faltando somente sua existência, como o nascer do Sol; o virtual, como um complexo que se resolve no atual, como uma semente que pode vir a ser árvore - ou não; e a expectativa, interpretação individual de um porvir, que tem cunho mais subjetivo. 

Se o futuro é invenção, o passado é uma reconstrução. Como rastro, dele existe apenas seus vestígios, incluindo a lembrança. A existência factual se perdeu no tempo e, como tecido, é comido diuturnamente pelas traças da memória, restando, a cada dia, uma superfície mais e mais porosa que no dia anterior. Essa porosidade é completada por nossas impressões, baseadas no sentimento, na subjetividade que permanece indelével em nossa mente. A cada dia resta menos dos fatos vividos, e a memória adquire mais de nosso modo de ver. Isso explica a sensação de frustração quando queremos reviver uma experiência prazerosa e, quando o fazemos, não se assemelha com o que nos lembramos.

Finalmente, chegamos ao presente, que não é invenção nem reconstrução. Ele é interpretação, é nosso modo próprio de ver os fatos, porque não vemos o mundo como ele é, mas como nós somos. E é essa a maior lição da Fenomenologia, que não estuda os fenômenos, mas a consciência que temos do fenômeno. Isso também explica a diferença entre o real, que é o todo inatingível, e a realidade, nossa percepção individual do real. O presente, em síntese, é nossa realidade, nosso pequeno e pessoal modo de ver o mundo, com todas as restrições físicas, fisiológicas e psicológicas. 

Entre o futuro imaginado,  o passado reconstruído,  e o presente interpretado, estamos no real presente, em alta velocidade, percorrendo o universo em nossa nave Terra, brincando de inventar futuros e de preencher a porosidade de nosso passado, que teima em fugir, deixando apenas seus rastros. Somos viajantes do espaço-tempo, a vigiar neurônios, a afagar nosso lugar no mundo, no passado, no presente e no futuro.

Clique aqui para ler o artigo publicado

Coluna - Viagens no Tempo

Categorias: artigos Artigos Científicos #artigos