Coluna - A arte está nua

A arte está nua

Tema: A arte está nua

Veículo: Diário da Manhã

Número: 10.951

Página: 19

Caderno: Opinião Pública

Data: 09/10/2017

A arte está nua

A nudez é algo recorrente na história humana. Desde antes dos gregos, desde os artefatos pré-históricos, passando por todas as fases, movimentos, períodos e culturas, a nudez humana é alvo de interesse, dos mais variados tipos. Na cultura, na economia, na arte, na medicina ou na história, na fotografia, no cinema, na escultura, na holografia, nos pensamentos mais nobres e mais mundanos, a nudez parece bradar seu espaço, requerer seu posto de ícone de nossa condição.

A arte, igualmente, desvela nossos medos, nossos sonhos, nossos desejos, expondo a uma condução poética, estética, catársica, as agruras e tessituras da sociedade, da subjetividade, da projeção dos eus. Nisso consiste a gênese da arte, produto humano cuja finalidade é humanizar, afetar e vencer nossa carne, transcender nosso espaço-tempo. Para fomentar e guardar nosso pequeno tesouro de subjetividades, inventamos os museus, fiéis depositários de nossa produção, guardiões da historicidade da sensibilidade humana.

Mais eis que a nudez humana se revela, não exatamente nos museus, mas em função deles. Em um momento foi pelo Museu Nacional da República, em Brasília, e noutro, no Museu de Arte Moderna de São Paulo. A agressividade de falas e posturas, a incitação à violência e as palavras de baixíssimo calão contrastam com a intenção de zelo pela cultura ou cuidado para com as crianças. Os desvarios e descontroles são sintomáticos, inclusive nas quase cômicas confusões: sem saber a quem atacar, metralhadoras verbais cospem ameaças para museus errados - MAM Rio e MASP sofreram ataques verbais em seus sites - em clara deformação de foco. Talvez, de fato, não seja deformação de foco, seja o desejo de acabar não apenas com a arte e seu guardião, mas com uma cultura completa, em nome do autoritarismo de um olho só.

Somos favoráveis à arte, desde que ela passe pelo meu crivo - bradam alguns. De modo similar, bradam ser favoráveis ao ensino religioso, desde que da sua religião. Sintomática, a cultura se rebela da ausência do ensino das artes. O estranhamento e a negação da produção em arte é mais reflexo de uma falha na política e na educação da arte e da cultura, que uma falha da própria arte. Quando estádios, sambódromos, camelódromos e até conventilhos são mais frequentados que museus e escolas, o resultado não poderia ser outro: estranhamentos.

Os ataques à performance, ao performer e ao MAM-SP não dizem respeito à nudez, base poética milenar encontrada em todas as culturas de todos os tempos. A nudez que estarrece e preocupa é da violência baixa, mesquinha e prepotente que apequena a sociedade, com enunciado zeloso pela cultura e enunciação violenta que a destrói. Estamos a ponto de nos tornarmos um Estado Islâmico destruindo Palmira. Mas é preciso lembrar que jamais apagaremos o passado. O que conseguimos destruir será sempre nosso futuro.

O Brasil está nu.

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