Link Coluna 05-02 - Uma sociedade em busca de salvadores da Pátria

Uma sociedade em busca de salvadores da Pátria

Tema: Uma sociedade em busca de salvadores da Pátria

Veículo: Diário da Manhã

Número: 11.068

Página: 19

Caderno: Opinião Pública

Data: 05/01/2018

Uma sociedade em busca de salvadores da Pátria

Por várias vezes, recursos tecnológicos foram investidos de soluções para problemas de várias ordens. Sistemas de ponto eletrônico como solução para ausências, laboratórios de informática, tablets e um computador por aluno como soluções para a educação, smartphones como solução para falta de comunicação, aplicativos de relacionamento como solução para solidão, etc. Trata-se de uma analogia de que caçador de marajá é solução para o Brasil, ou um ex-mecânico ou um ex-militar, ou até mesmo um militar. Ao que parece, a sociedade brasileira se esforça mais por encontrar alguém que solucione os problemas, que buscar a solução em si, por mérito social de fato. Enquanto isso, protagonizamos a velha e decadente epopeia de perder o futuro, por absoluta falta de compromisso. O brasileiro é, de fato, um Macunaíma.

Enquanto as redes sociais estão entupidas de críticas e anedotas de todas as ordens e emblemas, o país ainda chafurda na corrupção, com a perspectiva de reeleger seus nobres representantes que, há tempos, provam que seus interesses estão mais vinculados à manutenção de seus benefícios, inclusive com algumas condenações já definidas, que com o interesse de fato público. Aliás, há de se perguntar qual é o interesse público, de fato. Pelos discursos antagônicos e, das mais das vezes, autocentrado, o interesse público se dilui frente aos interesses particulares.

Ocorre que, seja na indicação de soluções tecnológicas, seja na discussão instaurada no ciberespaço, a tecnologia, tal qual a mídia, parece merecer a personalização que é, somente, figura de linguagem. A solução para a evasão escolar não é mera questão de controle de entrada e saída de alunos na escola. A inserção de computadores ou kits de robótica não alterará nada além dos bolsos dos contribuintes brasileiros, já penalizados por uma gastança desenfreada em projetos inócuos, quando a população ainda sofre pela falta de vacinas, condições dignas de atendimento médico e uma ausência de segurança que afronta os principais postos da justiça brasileira. A inserção de lousas interativas não alterará nossas vergonhosas médias da educação. A inserção de urnas eletrônicas não alterará o péssimo comportamento de candidatos e eleitores, em suas campanhas de caixa 2, suprindo demandas de eleitores corruptos ávidos pelas oportunidades. Carros elétricos não mudarão o comportamento dos motoristas que teimam em descumprir os requisitos mínimos de civilidade e respeito para com o outro. 

Definitivamente, a tecnologia não é solução para os problemas sociais. Dito isso, será preciso estabelecer o papel da tecnologia nesse contexto, para não querermos dispensá-la de pronto. Ainda que não seja a solução, a tecnologia pode e, na maior parte das vezes está relacionada a uma solução. Isso quer dizer que a tecnologia é parte e não o todo de uma solução, que passa a existir se os demais componentes igualmente existirem. Falamos de programas, e não dispositivos, voltados para a inserção tecnológica. Um kit de robótica não alterará nada se o contexto educacional não se alinhar para uma dinâmica igualmente inovadora. Criar disciplinas de robótica, desvinculada do mundo, para um aprendizado distante do cotidiano, com professores preocupados com o funcionamento ou não do sistema, ao invés do processo ensino-aprendizagem, significará um investimento fadado ao insucesso, como o foram o um computador por aluno ou um tablet por professor.  Será preciso mais que kits de robótica para alavancar um país já atrasado, que sobretaxa veículos elétricos para manter uma empresa estatal de combustíveis e seus esquemas. Um país que desmantela suas estruturas de Ciência, Tecnologia e Inovação, mas que persiste em gastos absurdos com benefícios para quem sequer necessita deles.

Não será a tecnologia que salvará um país, do mesmo modo que um candidato ou um político não mudará os rumos de uma nação. A realidade é mais complexa que isso. A educação melhoraria com o envolvimento de pais e comunidade, muito mais que com uma lousa interativa. O país melhoraria se a população se dispusesse a discutir projetos, ao invés de se posicionar passionalmente por candidatos, sem mesmo saber de seus projetos. A evasão escolar não ocorre por falta de controle de entrada e saída de alunos, mas por não fazer sentido para aqueles que querem aprender. Falamos, portanto, de cultura social, e não de tecnologia.

Sobre tecnologia, sobre política e sobre a vida, podemos fazer uma analogia com o próprio desempenho muscular: o que fortalece a musculatura é o exercício e não o aparelho. O salvador da Pátria é, afinal, a cidadania, que depende de cada um, e não de um ou outro candidato ou governante. Oxalá, possamos discutir projetos para nossas escolas, para nossos sistemas de saúde e de segurança, para nosso Brasil, ao invés de atacar e defender pessoas, como se repousassem nelas o desafio que é da nação.

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