Link Coluna 11-06 - E a culpa vai para...

E a culpa vai para...

Tema: E a culpa vai para...

Data: 11/06/2018

 

E a culpa vai para... 

O desejo de culpar alguém ou alguma coisa é uma atrofia social. Insatisfeitos com o preço da gasolina, com a reforma da previdência, com a falta de civilidade de uns e outros, se desdobram em bradar seu descontentamento culpando quem votou ou não votou em alguém, que apoiou ou não apoiou esse ou aquele candidato, partido ou ação. Parece que o importante é depositar culpa, encontrar alguém em quem a carapuça sirva.

Em termos psicanalíticos, a culpa advém de um mal-estar provocado por uma desorientação, de tal modo que o sentimento de culpa é uma tentativa de livrar-se do mal-estar, buscando uma orientação. A busca dessa orientação que satisfaça a necessidade humana é um problema ético, porque está relacionado ao campo dos valores. Ao se sentir desorientado eticamente, o sujeito imputa a culpa como atenuador desse mal-estar. Ética, aqui, se refere à moral. No jogo da culpa, aquilo que incomoda é reduzido em função de uma solução aliviadora: atribuir essa culpa a alguém, como se o jogo lógico de localizar a relação de causalidade estabelecesse uma vitória reconfortante. Nesse sentido, a culpa e sua atribuição a outros é, em si, uma solução para o desnorteamento que o incômodo causa. 

Na esfera social, localizar o culpado não resolve o problema, apenas alivia a consciência do sujeito, por transferência de foco: do problema enfrentado para a localização da origem do mal-estar, em um movimento de compensação ética. Já problema, ele permanece, inabalável. Se a culpa redime a consciência, ela não soluciona o problema, podendo, antes, corroborar para seu agravamento, na medida em que a compensação se converte em acomodação.

É exatamente por isso que a imputação de culpa é mais um entrave para as soluções que uma solução em si, na medida em que alivia uma desorientação. A perspectiva de enfrentamento do problema, buscando a solução, é mais efetiva para o sujeito e para a sociedade, que a imputação de culpa que não resolve o problema. A sociedade dará um passo significativo se ao invés de se preocupar em localizar culpados, preocupar-se em buscar soluções para os problemas que a aflige.

Se a gasolina aumentou, qual a solução? Se há um rombo pretensamente criado no Sistema Previdenciário, qual a solução? Se alguém foi eleito quando não representa a vontade do povo, qual a solução? Se a proposta não é boa, qual a solução? Identificar culpados é diferente de solucionar problemas, até porque isso não fará reduzir o preço da gasolina, não eliminará o rombo da previdência, nem fará com que nossos representantes deixem de pensar na manutenção de seus privilégios, para finalmente pensarem no bem-estar daqueles que representam. Nosso exercício, então, deveria ser de buscar solução, e não de atribuir culpa.

Essa ação de conveniência, apesar de normal no comportamento humano, é agravada em um ambiente social caracterizado pela V.U.C.A. - condições de volatilidade (volatility), incerteza (uncertainty), complexidade (complexity) e ambiguidade (ambiguity). Esse agravamento amplia a ação de minimização de ansiedade e insatisfação ao se atribuir culpa a alguém, mas tem como efeito colateral a possibilidade de agravos, alcançando índices de violência, seja física ou verbal, e de acomodação, como se a atribuição da culpa substituísse a solução do problema. Frente a isso, o conceito de competência adaptativa parece ser boa chave, ao indicar a habilidade de adaptar-se ao contexto contemporâneo, marcado pela V.U.C.A. Ao estabelecer adaptabilidade, a resposta pode ser mais manejo que enfrentamento, solução que atribuição de culpa. Até porque a culpa dos problemas sociais é tão nossa quanto a solução.

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