Coluna 01-10 - Cegueira desatencional e eleição

Cegueira desatencional e eleição

Um método bastante recorrente para deixar um observador cego para algumas coisas é levá-lo a prestar atenção em algo desviante, enquanto ações relevantes são feitas, na vista deste mesmo observador. O fato de ele estar atento a um elemento, deixando passar despercebida uma ação,  é chamado de cegueira desatencional. Esse efeito é bastante usual em apresentações de mágicas, em propaganda e também em eleições.

A cegueira desatencional pode ser verificada, por exemplo, quando os elementos desviantes apontam para questões superficiais, enquanto questões  fundamentais não alcançam a visibilidade condizente com sua relevância. Esse desvio é verificado em estudos que vão desde o sistema de formação onírica, tratado por Freud em seu famoso estudo sobre a interpretação de sonhos, chamado por ele de deslocamento, até como estratégias do marketing eleitoral, aproveitando temas de interesse do momento ou meramente elementos que desviem a atenção de eleitores menos atentos ao contexto eleitoral.

No terreno político, a prática encontra reforço nas fake news e nos interesses individuais, que acabam se sobrepondo aos interesses coletivos e relevantes. Formatos já tradicionais são as piadas, charges, denúncias, dramas e mesmo pós-verdades - aquelas notícias que não partem da verdade, mas cujos efeitos repercutem com forte impacto, em função de crenças e posições dogmáticas -, usuais desde a Grécia Antiga e, mais recentemente, os memes.

Histórias de gatinhos que abrem os olhos, projetos de confisco de poupanças e salvadores da pátria identificados por adjetivos impactantes são elementos desviantes de itens essenciais, como a discussão de Planos de Governo e de temas verdadeiramente relevantes para o Brasil. Imagens pautadas em temas de grande apelo mobilizador e enunciados fora de contexto fazem parte das artimanhas que provocam leitores, arregimentando-os em tomadas de decisão por impulso. Tais elementos formam o contexto exato da cegueira desatencional, vivida fortemente nos dias que antecedem as eleições.  

Enquanto o duelo entre renovação e continuidade é o mote atemporal para as eleições, discussões fundantes como projetos para a Educação, Saúde, Segurança e Cultura perdem espaço, não apenas na mídia, mas principalmente nas discussões entre eleitores, entregues que estão a discussões aguerridas de temas mornos e sem relevância alguma naquele contexto.

Temas que são de decisão do Legislativo passam a ter destaque na disputa do executivo. Alterações que dependem de uma alteração constitucional, portanto dependente de uma Assembleia Nacional Constituinte, passam a ser discutidas como se dependessem de uma mera assinatura de um presidente. Outros tantos que se vinculam a contextos específicos são desviados para contextos gerais, mobilizando exércitos atuantes em redes sociais, levadas pelo fervor de suas posições pessoais, jamais pela estruturação de um pensamento coletivo e minimamente balizado pela alteridade.

A cegueira desatencional é uma estratégia comum em nosso contexto eleitoral, mas seu sucesso depende essencialmente da desatenção e crença de inocentes olhares que se deixam levar por temas, imagens e assuntos desviantes, quando o que temos em jogo é a construção de uma sociedade mais honesta consigo mesma. A criticidade pode ser um antídoto para esse tipo de cegueira, construída na verificação dos fatos e das competências específicas, bem como nos históricos e posicionamentos dos seus candidatos. Outra ação bastante funcional seria conduzir os esforços para confirmar as práticas de seus candidatos e de seus projetos de ação, ao invés de desviar o foco para elencar defeitos e contradições de seus oponentes. Aliás, ainda é incomum que eleitores defensores de alguns candidatos sejam capazes de apontar os projetos defendidos por seus candidatos. A cegueira desatencional, neste caso, é apontar a trava que está no olho do outro, enquanto a sua própria permanece intacta, e crescente.

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