Coluna 08-10 - A tecnologia e as bordas do humano

A tecnologia e as bordas do humano

Tema: A tecnologia e as bordas do humano

Veículo: Diário da Manhã

Número: 11.314

Página: 19

Caderno: Opinião Pública

Data: 08/10/2018

Nada tão humano quanto a tecnologia. Como produto da inteligência humana, a tecnologia, seus aparatos e dispositivos são eminentemente humanos, resultado de uma colaboração sincrônica e diacrônica, em um exercício humano que rasga o tempo e costura a cultura contemporânea, em um bordado complexo. Nesse sentido, forjar uma oposição entre o humano e a tecnologia é inconcebível ou, no mínimo, indefensável.

Estamos corporal e mentalmente vinculados à tecnologia, como uma perspectiva do humano, de sua natureza. Nossas vinculações não se definem em um modelo de oposição, mas de aderência, seja em construções de pensamentos e imaginários, seja na perspectiva de órteses e próteses, físicas ou mentais. Ontologicamente, a tecnologia é parte do humano, de tal modo que não há como desgrudar um do outro. Essa pretensa separação resultaria na cisão do humano contemporâneo, em alguma outra coisa que não o que nos reconhecemos. Seria análogo dizer que nosso filho biológico, sem nossos genes, seria melhor ou pior, quando de fato sequer seria nosso filho biológico. De igual modo, a tecnologia não existe fora do humano, no que não há de se falar em lastro humano da tecnologia - ela é toda humanizada e fora dali ela não é.

A dimensão tecnológica da cultura deve ser considerada, inclusive, como antídoto para a tecnofobia, visto que a tecnologia jamais caminhou fora do humano e, como parte dele, dele não se desvincula. A superação do humano pela tecnologia, enfim, seria impensável, como nos apresentam as tramas ficcionais, mas precisa ser questionada a partir da realidade dos fatos, dessa zona de pertencimento que colocamos em relevo. Nessa abordagem, a superação do humano pelo tecnológico presente na cultura contemporânea é uma perspectiva já evidente. Nossos modos de pensar, resolver problemas e atuar no mundo são , na presença da tecnologia e do ponto de vista de vários aspectos, mais eficientes e eficazes que nos moldes anteriores, com o impacto que se faz ver nas várias áreas de conhecimento e atuação humanas.

Essa acepção da tecnologia como elemento do humano, que pode ser traduzido como cultura, é enfatizado em conceitos como o de pós-humano ou transumano, embora a naturalização da cultura já nos permita apontar para a versatilidade do corpo e da mente, de tal modo que não se trata de uma superação do corpo pela tecnologia, mas de uma outra coisa: a tecnologia como cultura, como parte da condição natural - não de oposição - humana.

As bordas do humano não tangenciam os produtos da cultura, mas ao que ao humano escapa e, justamente por escapar, não ousarei tentar nominar. Já a tecnologia, como conhecimento lastreado na cultura e, portanto, pertencente a ela, está, em verdade, amalgamado ao humano, fazendo-se valer como um aspecto dele e não fora dele.

A tecnologia não está nas bordas do humano, mas justamente em seu centro, ao caracterizar a cultura que nos implica como seres bio sociológicos. A oposição entre natural e tecnológico encontra seu ornitorrinco essencialmente na cultura, produto social humano de todos os tempos e naturalmente presente no sujeito contemporâneo. E é ali, na cultura, que a tecnologia se inscreve, indelevelmente, no humano.

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