Coluna 15-10 - Tecnologia, mídia e verdade

Tecnologia, mídia e verdade

A crença de que texto escrito e imagem fotográfica expressarem verdades encontra um duro teste nas redes sociais. Montagens, nem sempre bem feitas, buscam falsear fatos, criando, nos menos atentos e nos canalhas de plantão, a oportunidade de manipular opiniões, semeando ventos que se convertem em tempestades avassaladoras.

A vinculação da imagem fotográfica com a verdade está caracterizada pela relação indicial da imagem, que aponta para algo realmente fotografado, portanto fato. Essa vinculação indicial se assemelha com a função referencial do texto jornalístico, que pretensamente se passa por fato. Ocorre, contudo, que a imagem realística não é, necessariamente, fotográfica. Os artistas, há séculos, pintavam retratos e paisagens realísticos. Com o advento das tecnologias digitais, que inclui a fotografia digital, a manipulação da imagem é cada vez mais fácil de ser executada. As próprias câmeras já oferecem recursos de filtros que alteram a coloração e a luz. Softwares de tratamento de imagem permitem alterar, incluir ou retirar elementos de uma imagem fotográfica, mantendo a verossimilhança visual. O problema, então, não está na imagem fotográfica, mas sim nas manipulações que descaracterizam tais imagens, tornando-as um misto de fotográficas e pós-fotográficas.

De modo similar, o texto escrito goza de uma confiabilidade maior que a fala, a imagem ou vídeos, em nossa sociedade. A confiabilidade vem dos exercícios culturais tratados na formação, com escolas priorizando textos - livros, artigos, monografias, dissertações e teses -, e, também, na religião, que tem em textos um dos objetos mais cultuados - a Bíblia, o Alcorão, a Torá.

Em outro sentido, podemos observar um fenômeno, no mínimo curioso: nossa propensão à crença, principalmente à crença em quem não conhecemos e nas coisas que nos são ditas. Essa tendência conforma, por exemplo, o fato de darmos mais crédito a uma pessoa desconhecida que fala sobre uma pessoa conhecida, que a esta mesma. Por vezes, somos levados a crer mais em posts que em documentos, em fontes sem crédito algum, que em fontes minimamente confiáveis.

O tom de verdade, vindo na forma de denúncia, depoimento ou outro meio que emprega artifícios jornalísticos - função referencial da linguagem -, em textos, vídeos e imagens, já presentes na sociedade, em época de eleição se avolumam, com um aumento significativo de jornais engajados, tanto impressos quanto em ambientes digitais, sem que a função referencial seja sequer pensada. As imagens montadas, as denúncias falsas e os textos convenientes para seus autores, encontram a conivência e a cumplicidade das tais mentes incautas e/ou inescrupulosas, no afã de ganhar, mesmo que injustamente, o que tanto desejam.

Devemos ser críticos em relação à imagem, inclusive de origem fotográfica, de igual modo como devemos ser críticos aos textos que nos são entregues diariamente. A observação de fontes, a verificação de procedência e a consulta a outras versões de um fato são extremamente relevantes para não nos perdermos entre bullyings adultos e fake news, como testemunhamos ou protagonizamos nas redes sociais. A mídia, como meio, aceita todas as palavras e imagens, sem distinção. Mas mentes pensantes são capazes de definir que tipo de uso de mídia queremos: a que preza a verdade, ou aquela usada maledicentemente para alterar a relação de poder entre grupos e pessoas. Mídia, como meio, não expressa a verdade, apenas conduz mensagens, verdadeiras ou falsas, de acordo com o que dispõe a sociedade que a utiliza. As redes sociais, como mecanismos tecnológicos da mídia pós-massiva, comungam com essa regra.

E se a regra do digital é a descontinuidade, imagens e textos, vídeos e áudios são tão facilmente manipuláveis quanto qualquer outro elemento digital. A expressão da verdade, em última instância, não se firma pela mídia, tampouco por ser imagem ou ter sido publicado em um site que se intitule jornal, mas pela  vinculação a fatos, sua indicialidade, que dependerá da visada crítica, atenta e, claro, com a intencionalidade do leitor em fazer uso do que lê, seja para criar um ambiente seguro e confiável de notícias, seja para torná-lo falseado, conivente com interesses escusos e instável política e moralmente.

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