Coluna 21-01 - Entre tiros e entretidos

Entre tiros e entretidos

Tema: Entre tiros e entretidos

Veículo: Diário da Manhã

Número: 11.415

Página: 19

Caderno: Opinião Pública

Data: 21/01/2019

O Estatuto do Desarmamento (Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003) fazia crer que a posse de armas era um problema nacional, na medida em que seu uso pressupunha fatalidade. A existência de tais armas no país facilita o comércio, inclusive e principalmente o ilegal, o furto e o uso, normalmente não  por pessoas de bem. Há registros de furtos de armas em delegacias e quartéis militares, além do inexplicável número de armas de uso exclusivo do exército nas mãos de bandidos.

Pesquisas sobre armas no Brasil apontam que, em 2014, das 15,2 milhões de armas em mãos privadas, a maior parte estaria em situação irregular, sem registro, sendo cerca de 3,8 milhões nas mãos de criminosos. Os dados estão no relatório do Mapa da Violência  de 2016, disponível na Internet. O mesmo estudo aponta que, entre 1980 e 2014, 967.851 pessoas foram vítimas fatais de armas de fogo, computando acidentes, suicídios, homicídios e causas indeterminadas. O gráfico anual aponta uma condição de ascensão de vítimas entre 1980 e 2003, ano em que foi sancionada a lei do desarmamento, registrando, no período, aumento médio de 6,2% anuais, e baixa variação entre 2003 e 2014, quando se registra leve aumento de 0,3% ao ano.  O aumento de vítimas de homicídios por armas de fogo teve, no Brasil, a ordem de 23,7% entre 2004 e 2014, sendo que, nas capitais, o aumento foi bem menor, de 5,4%. Em dados percentuais, considerando o aumento populacional, o crescimento desse período foi de 11,1% e, nas capitais, de 3,8%.

No que diz respeito às vítimas, o estudo indica que 94,4% são do sexo masculino, na média nacional de 2014. A idade mais vulnerável, com maior percentual de fatalidade, está entre 18 e 29 anos, com um aumento de  699,5% entre 1980 e 2014, representando 60% dos casos registrados entre 2000 e 2005, com leve decréscimo após a Lei 10.826. No período de vigência do Estatuto, houve registro de redução de vítimas brancas, na ordem de 27,1%, enquanto que as vítimas negras amargaram um aumento de 9,9% no mesmo período. O estudo indica que “morrem, proporcionalmente, 71,1% mais negros que brancos”, no Brasil.

Nossas taxas de homicídios por armas de fogo é 207 vezes maior que em países como Alemanha, Áustria,  Espanha e Polônia, 103 vezes maior que em países como França, Egito ou Cuba, e figuramos como o 10o país de maior taxa de homicídios por armas de fogo, em um ranking de 100 países. Seguindo a estimativa de aumento de homicídios por armas de fogo, considerando fundamentos estatísticos, o Estatuto do Desarmamento poupou, entre 2004 e 2014, um total de 133.987 vidas.

De outro lado, em 2012, o Brasil foi o quarto país de maior exportação de armas do planeta, perdendo apenas para os Estados Unidos, Itália e Alemanha. Isso nos coloca entre as grandes potências mundiais de produção e exportação de armas de fogo. Um lobby nada desprezível.

Por fim, será preciso atentar para o responsável pela segurança. A Constituição, em seu Título II - Dos Direitos e Garantias Fundamentais -, Capítulo II - Dos Direitos Sociais, em seu Art. 6º, registra: são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.  A atribuição da segurança ao cidadão, ao que parece, vai mais além do que os desatentos e incautos podem enxergar. Porém, nada mais sensato que os fatos para dirimirem dúvidas, mesmo quando já os tenham sido registrados e estudados há tempos. E ao que parece, é fato que o conhecimento social ainda se distingue do conhecimento científico: não é cumulativo. O estudo referido neste artigo termina com uma constatação que pareceria óbvia, não fosse a pós-verdade: Armas matam. Mais armas matam mais.

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