Acessibilidade para quem? - capa

Acessibilidade para quem?

Tema: Acessibilidade para quem?.
Veículo: Diário da Manhã
Número: 10.757
Página: 17
Caderno: Opinião Pública
Data: 27/03/2017

 

Acessibilidade para quem?

 

Acessibilidade é uma condição de algo ser acessível, de possibilitar o acesso. Em linhas gerais, a maior parte das coisas do mundo é acessível para humanos de antropometria padrão, e pouco acessíveis para o cidadão com especificidades em particular, como tamanho, velocidade ou acuidade visual, dentre outros. Aparelhos celulares possuem telas ou teclados acessíveis para o padrão antropométrico, mas pessoas com dedos maiores sentem dificuldade em acessar as teclas separadamente. Livros são acessíveis para o padrão de acuidade visual da população, mas são pouco acessíveis para aqueles com baixa acuidade visual. Prédios são acessíveis para o padrão antropométrico, mas não são para aqueles com mobilidade reduzida ou comprometida. As vias públicas possuem temporizador em semáforos que permite a travessia do humano padrão, mas qualquer pessoa com mobilidade reduzida teria dificuldade em cumprir a tarefa da travessia da via naquele diminuto prazo. Pessoas com baixa acuidade visual teriam problemas nessa travessia, já que poucos semáforos possuem sinalizador sonoro.

Normalmente usado para contexto de acesso a pessoas com deficiência, a abrangência da acessibilidade certamente é maior e atende a necessidade de muitos, senão da maioria das pessoas, em determinados momentos da vida. De crianças a idosos, a acessibilidade cria uma condição de cidadania frente a questões fundamentais do cotidiano. Barreiras urbanísticas, arquitetônicas, informacionais e atitudinais são as mais comuns, normalmente lembradas quando se discute acessibilidade, embora não sejam as únicas.

Como as cidades possuem espaços públicos, portanto compartilhados entre seus cidadãos, é de todo recomendado que tais espaços sejam projetados para prover acessibilidade. Semáforos com sinalizadores sonoros, pisos táteis, rampas que ligam vias a calçadas, a edificações, principalmente de prédios públicos, são algumas soluções possíveis e desejáveis para manter os espaços públicos verdadeiramente públicos. Pessoas com baixa mobilidade, de cadeirantes a pessoas com pé quebrado e idosos, têm o mesmo direito que qualquer outro cidadão, sobretudo o direito ao acesso a bens e serviços públicos.

Na arquitetura, pelos mesmos motivos, observamos a necessidade de rampas, elevadores, pisos e paredes táteis, placas em braille ou com audiodescrição, como soluções que proveem a cidadania a todos. Nas bases informacionais, como websites, aplicativos para smartphones e tablets, TVs, bibliotecas e assemelhados, é preciso prover acessibilidade, garantido o direito de acesso a todos. Mas talvez o prejuízo maior que o tema enfrenta sejam as barreiras atitudinais, responsáveis pelo preconceito generalizado e culturalmente instalado em nossa sociedade. Deriva dessa barreira, as condições de tratamento diferenciados, indo do medo à piedade, da compaixão à rejeição.

O tratamento para todos os males é a educação e a informação, fundamentadas na condição de que todos nós somos humanos, cidadãos com direito ao acesso aos bens, serviços e informações sociais. O pensamento de que as atitudes, as cidades, os prédios e as informações devem eliminar as barreiras de acesso é um passo grande. O problema não está nas pessoas com dificuldade de ver, andar, segurar ou ouvir. O problema está nos lugares, atitudes e coisas do mundo que não atendem o princípio básico de acessibilidade. E o acesso é um direito do cidadão.

Assistimos, nos últimos tempos, à tecnologia prover acessibilidade, com a chamada tecnologia assistiva. São leitores de tela e livro, cadeiras de rodas motorizadas - algumas sobem escadas -, bengalas com sensores, câmeras com audiodescrição e uma infinidade de gadgets que eliminam ou minimizam barreiras de todas as ordens - exceto as atitudinais. O sinal de TV digital assimila funções de audiodescrição e closed caption, quando a emissão provê essas funcionalidades, além de possibilitar a emissão de sinal com LIBRAS. As tecnologias assistivas são um bom exemplo de como a inteligência supera barreiras.

Enxergamos, culturalmente, a tecnologia alterar o status de “aleijado” para super herói, quando elementos tecnológicos fazem com que pessoas deficientes se convertam em super humanos. Desde o Homem de seis milhões de dólares e mulher biônica, nos anos 1970, até Robocop ou Homem de Ferro, a tecnologia,nesses casos, mais que prover acessibilidade, ela altera o modo como a sociedade enxerga a falta de acesso.

Todavia, o que se busca não é converter pessoas com deficiência em super heróis, nem mesmo ver acessibilidade como obrigação. O que se busca é enxergar acessibilidade como algo necessário para toda a população. É enxergar que o problema não são as pessoas que necessitam de especificidades de acesso, mas são os lugares e informação que não são acessíveis. A cidadania urge pelo acesso aos bens, serviços e informações. O que se busca, afinal, é uma tomada de consciência social de que a acessibilidade é um valor para a cidadania, e não um problema de poucos.

 

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