A ciencia no bar

A ciência no bar

Tema: A ciência no bar.
Veículo: Diário da Manhã
Número: 10.881
Página: 19
Caderno: Opinião Pública
Data: 22/05/2017

 

A ciência no bar

Não é exatamente ciência de botequim, mas a Ciência conseguiu, finalmente, pular o muro da academia e alcançar a rua. O projeto Pint of Science Brasil 2017, que aportou em 22 cidades do Brasil nos dias 15 a 17 de maio, foi um verdadeiro marco. Presente também em outros 10 países, o projeto leva cientistas para discutirem suas especialidades em bares. Assim, sem necessidade de inscrição, sem certificado, sem burocracia, e com uma vontade enorme de fazer a diferença. E fez.

Impressionante o número de pessoas presentes nos bares participantes, e no alto nível das palestras e discussões. Mais que isso, impressionante foi a proposta de trazer a ciência para perto das pessoas, sem a sisudez das salas de aula das universidades, eliminando a distância ou abismo existente entre o conhecimento científico e a experiência da vida.

Esse movimento, de articular a universidade com seu meio, parece ainda engatinhar. Engatinha e quase para quando a universidade assume que a área de extensão é a responsável pela relação entre universidade e comunidade, como se o ensino e a pesquisa fossem realizadas com seres extraterrestres e não com a mesma comunidade a que serve. Engatinha e quase para quando instituições discutem a relação universidade e empresa, como se um dos papéis da universidade não fosse exatamente formar profissionais para atuarem nas empresas. Engatinha quase para quando a comunidade não pode acompanhar as ações das universidades, ficando restrita sua participação a dias especiais, como os dias das semanas profissionais e assemelhados. Engatinha quase para quando a comunidade não enxerga o relevante papel das universidades na formação e manutenção de uma cultura científica, artística e tecnológica, com os pressupostos de avanço e inovação que lhes são característicos. Engatinha quase para quando ainda usamos a dualidade universidade e comunidade, como se a universidade não fizesse parte da comunidade. É preciso parar de pensar que a universidade é a elite pensante de uma comunidade, como se não houvesse pensamento criativo fora dali. É preciso rever nossos preconceitos e aproximar o conhecimento científico da vida ordinária. E o primeiro passo deve ser dado na instância das universidades.

Esse muro que ainda hoje separa a universidade da comunidade é mantido por ambos os lados, gerando situações no mínimo estranhas. São projetos de especialização piores que soluções de alunos de quinta série. São soluções arrojadas que ficam engavetadas ou escondidas na forma de relatórios, quando podem representar um enorme avanço para a comunidade. A universidade é comunidade, com as articulações possíveis em seu tripé de sustentação: no ensino, na pesquisa e na extensão. A universidade precisa se fazer presente nas propostas de solução dos problemas sociais, científicos, tecnológicos, da vida como um todo, tendo reconhecimento para tal.

No Brasil, ainda mantemos as cores desbotadas das velhas universidades que prezam pelo exercício isolado, quase teórico, que resolvem equações matemáticas, mas não se dignam a resolver um problema de trânsito. Valorizam um artigo em uma revista científica, mas não valorizam uma solução social, cultural ou ambiental.

Em outubro próximo, teremos um novo desafio: a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia. O tema da semana de 2017 é “a Matemática está em tudo”. Se a provocação é excelente, os primeiros passos das instituições são sofríveis. Os movimentos iniciais sinalizam para a velha fórmula de palestras, mesas redondas e mostras intramuros, sem a coragem de deixar os espaços confortáveis - zona de conforto - das universidades e avançarem para a cidade. Enquanto poderíamos ter concertos de música com falas sobre a matemática na música, mostras de arte com falas de matemática e arte, oficinas de gastronomia com falas de matemática e culinária (medidas e teores nutritivos), enfim, um sem-número de ações que indicasse que a matemática de fato está em tudo, as instituições preparam uma semana para que todos saibam que a matemática está enclausurada nos muros universitários.

Por sorte, ações como o Pint of Science trazem novos ares e novas ideias para a articulação entre saberes e conhecimentos, provando que o papel da universidade não é permanecer em suas salas, mas criar articulações mais densas com a comunidade, no ensino, na pesquisa e, porque não, também na extensão.

 

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